Sozinha naquele quarto vazio e mal iluminado pela penumbra prateada da noite, Elena sacudiu o corpo em fortes soluços de dor, a mesma dor que lhe esmagava o peito e lhe apertava o coração como uma mão gigante com os seus dedos desumanos e atrozes. Gemeu de angústia, sentindo o corpo definhar a cada soluço seco e sofrido. A seguir sentiu as lágrimas, densas e quentes, queimarem-lhe a pele do rosto com a sua impiedosa acidez, dissolvendo-lhe a sua máscara de mulher fatal, manchando a delicada colcha de linho com o remanescente de uma maquilhagem antes intensa e ousada. Sentia-as na boca, fundido-se com o gosto amargo que a agonizava. Um gosto de nada e um gosto de tudo. Um gosto de paixão com um travo de desonra. Desesperada, cerrou os punhos e esmurrou a cama, atormentada pelo odor que brotava do seu corpo. O perfume da luxúria. O aroma da culpa. O cheiro do ódio. Ódio dela e apenas dela.
Num gesto impulsivo e obstinado, levou as mãos ao peito e rasgou o deslumbrante vestido de seda, vermelho da cor do pecado. Arrancou-o do corpo como uma maldição, como se com ele arrancasse tudo o que sentia e não queria sentir, mas o seu odor fétido e excitante ficou-lhe no corpo, na pele. Ficou para a enlouquecer e para lhe lembrar os erros que cometia, uns atrás dos outros. Para lhe lembrar o amor que renunciava em prol da vida de luxo que conquistara ao lado de um homem que não amava. O abismo que a separava das coisas que tinha e das coisas que queria ter, era apenas o resultado desses erros. Caminhava sobre uma ponte suspensa, uma ponte de orgulho e teimosia. De luxo e egoísmo. Se sabia isso, porque era tão difícil escolher para que lado cair? Era difícil, porque Elena sabia que estava perdida fosse qual fosse o lado que escolhesse.
17 comentários:
Fantástico! Por vezes temos muito de Elena, acabamos nos acomodando a pessoas e lugares que não devíamos. E quando queremos sair, estamos literalmente amarrados... bjs
Ás vezes o abismo está tão próximo...Perdido o amor? Que mais interessa? Que mais importa?
NADA
António
Helga gostei muito, embora, tenha sofrido junto com Helena.
Decisões erradas, imaturas covardes? Não sei mas uma coisa é certa: dói muito. bjs, Eliete
Lindo e coitada da Helena,Não? Mas muitas vezes é assim...beijos,tudo de bom,chica e FELIZ Páscoa!
Ainda me lembro do abismo de emoções com que fiquei quando li este trecho pela primeira vez, e também me lembro da intensidade do teu abismo quando o escreveste.
Uma excelente pedaço de literatura que partilhastes com todos nós.
Um beiJo com cheiro a recordações, Ava
O saber sair no momento certo e esquecer o que fica para trás e dar o salto no desconhecido
Bjs
Linda e Estimada Amiga:
Um texto com uma beleza admirável, apesar do sentimento triste. De desespero visível.
Não fique assim, POR FAVOR. A vida é extraordinária e a sua ternura de literatura deslumbra.
Escreve e expressa-se maravilhosamente.
Fico feliz por acreditar na alegria de alguém no seu coração doce.
Beijinhos amigos.
Sempre a estimá-la.
No maior respeito e fascínio.
pena
MUITO OBRIGADO pela sua amizade.
Bem-Haja, fabulosa e enorme amiga de bem.
Vá. Força.
Adorei.
O Mundo espera-a com o seu encanto e pureza fabulosas, entende?
Potente. Bem escrito.
A ter que cair, o melhor cair de uma vez. Antes isso, que caminhar numa ponte suspensa. Isso sim, é aterrorizador.
Muito bom, muito bom mesmo! Gostei mesmo muito :) beijo
As escolhas somos nós que as fazemos e quando no prato da balança os bens materiais e o amor têm o mesmo peso a escolha torna-se difícil.
Depois, mais tarde, quando o deslumbramento pelo luxo cai no vazio, o reconhecimento do erro torna-se no mais profundo abismo entre o que já se conquistou e o que realmente era mais importante.
Não sabia que existia esta planície...
Parabéns!
beijinhos
Ah...
esqueci-me de dizer o quanto gostei deste excerto 'Regresso a Villa Francesco' que já tem uns anitos olhando a data...
muito bom!
beijo grande*
Em algumas situações, o abismo está dos dois lados; restando-nos apenas um engasgo, um caminho de não ir...
Lindo poema, Helga!
Abraços
Ricardo.
Gostei muito.
(está ali um arranca-se, que deveria ser arrancasse, mas são preciosismos que não têm a ver com a qualidade do texto e da história)
Helga
Não sabia que tinhas outro blogue. Fiquei admirada quando cliquei e descobri que eras tu, ou outra tu!
Gostei. Bjs
johnny, obrigada! Obrigada também pela correcção do texto. Foi de imediato corrigido.
Beijinho :)
FABULOSO! Adorei querida!! A verdade é mesmo esta... às vezes todos temos uma pouco de "Elena"... nem mais!
Beijinho***
Nota: eu só gostava era de saber porque é que eu nunca dei conta deste teu outro canto?!?! Acho que ando distraída um pouco além de q.b. :|
Enviar um comentário