A fantasia não é exactamente uma fuga da realidade. É um modo de a entender.
(Lloyd Alexander)



segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Doce Recordação


Até numa cidade como Nova Iorque, a Primavera parecia ser a estação do ano mais bonita e jovial. Todo o ar saturado pelos escapes que nunca descansavam, parecia renovar-se e as ruas enchiam-se de luz e cores perfumadas. Confortavelmente instalada no seu apartamento, Audrey oferecia o corpo ao manifesto das carícias do sol que entrava pela janela e inundava toda a sala com a sua jubilosa graciosidade. Mas apesar da aprazível sensação que a envolvia, o seu pensamento estava a milhas daqueles raios de vida que a aqueciam. Num canto muito especial da sua memória ainda tocava uma melodia muda e silenciosa, como se dentro dela houvesse uma orquestra imaginária que tocava a mais bela melodia de sempre. O seu corpo ainda não despira o vestido de longas saias de organza e ainda sentia na pele a envolvência do olhar doce e sereno e a delicadeza dos braços que a conduziam na perfeição, pela acolhedora sala de tapetes clássicos e candelabros de velas nas paredes. Na sua boca ainda não se dissolvera o gosto do beijo que a inebriava e fazia suspirar, como uma adolescente apaixonada por uma ilusão. Ainda se agarrava a esse momento especial, como quem se agarra a um amuleto sagrado, no qual se depositam todos os sonhos e no qual se conseguem todas as forças para vencer a saudade que aquela doce recordação lhe trazia, sempre que tinha um pouco de tempo livre para se entregar a ela.

O seu livro estava pronto. Era o seu quinto romance e era aguardado com grande expectativa. Porém sentia que a maior expectativa era a sua, pelas emoções em que se inspirara para o escrever. Sentia que de todos eles, era aquele a que mais se entregara, que mais tinha de seu e de verdadeiro em cada palavra. Fazer sonhar os outros era algo a que já se habituara e fazia-o com naturalidade e paixão, mas desta vez sentia que oferecia os seus sonhos mais íntimos em vez de apenas os sonhos ilusórios das suas palavras. Estava nervosa e apreensiva e ao mesmo tempo serena e expectante. O preço do desafio era mais alto que o habitual e isso fazia-lhe pulsar o coração com mais força. Contudo a sua obra ainda não tinha nome, coisa que estava a deixar a sua agente um tanto impaciente, pois o timing do seu lançamento estava a esgotar-se lentamente. Eram as obrigações de um compromisso às quais Audrey não podia fugir, por mais que tentasse desobedecer às formalidades - que na sua opinião retiravam alguma da magia a tudo o que escrevia - mas ela sabia que era a única forma de poder partilhar com o mundo as suas palavras.

Helga, Maio 2010

6 comentários:

Johnny disse...

Gosto muito de ler estes textos.

Ava disse...

Uáu, Uáu! Mais um dos teus fantásticos textos, mais uma doce recordação que me proporcionastes... Adorei!

Beijinhos doces, Ava.

Poetic Girl disse...

Já tinha tantas saudades dos teus maravilhosos textos, bjs

Brown Eyes disse...

Um beijinho para ti garota. Espero que estejas bem.

AC disse...

Helga,
Por qualquer razão a sua postagem passou-me despercebida, e só hoje, por um feliz acaso, me dei conta dela.
Que escreve maravilhosamente já eu sabia, assim como todos os seus habituais leitores. E mais uma vez isso se confirma. O que me causa estranheza é o facto de quase ter desaparecido da blogosfera, como se estivesse em intencional retiro. A Helga lá saberá as suas razões, e só a si tem que dar satisfações, mas que faz muita falta, disso não tenha a menor dúvida.

beijo :)

Unknown disse...

Helgamiga

Sem querer plagiar o nosso bom Amigo AC, estou deslumbrado - D=E=S=L=U=M=B=R=A=D=O. Tu escreves primorosamente; tu tens fotos primorosas; tu desdobras-te pelos teus três blogues, o que é um primor.

Primor, primorosas, primorosamente. É uma felicidade andar por eles, deixar-se embeber neles, viver com eles. Não podes desaparecer: irias al paredón!!!

Muito obrigado pela tua visita; agora, venham os comentários

Qjs