Quando abriu a janela da acolhedora suite que Cindy - a sua assistente pessoal - lhe reservara naquela estalagem sofisticada e tranquila nos arredores da cidade, fechou os olhos e inspirou o calor ameno do meio-dia, deixando-se envolver pelo eco da paisagem campestre, que lhe devolvia na brisa morna uma paz reconfortante e merecida. Tentou desfrutar daquele pequeno instante, tanto quanto lhe foi possível. Sabia que a sua vida estava prestes a mudar para sempre, esperavam-na alterações que ela não planeara e naquele momento decidiu que não ia planear mais nada. Já não estava sozinha, agora dividia a sua vida com alguém muito especial e todas as decisões seriam tomadas em função disso. Estava cansada de cometer erro atrás de erro. Estava cansada de sofrer as consequências das suas decisões.
De sorriso no rosto passou a mão pelo ventre, acariciando com ternura a sua suave e notória saliência. Pela sua mente saudosa e apaixonada, passaram todos os momentos possíveis àquela concepção. Momentos especiais de ternura e paixão, de amor eterno. Momentos que não sabia se voltaria a viver e receou momentaneamente o impacto que as consequências desses momentos ainda lhe reservavam, e sem perder o sorriso sereno e emotivo, percebeu que as mesmas não importavam. Tudo o que importava estava ali com ela - naquele instante e para todo o sempre - e olhou de novo a simplicidade da sublime paisagem. Emancipada dos seus medos, sentiu a coragem necessária para enfrentar todas as adversidades que a vida ainda lhe reservava, mesmo sabendo que a profunda saudade que o seu coração carregava, era maior que toda a paz que desfrutava. Era maior do que ela própria. A sua boca ainda amargava pela falta do beijo que a enlouquecia e o seu corpo ainda ardia de desejo pelo toque das carícias que a faziam perder a razão.
Dentro daquele quarto, a milhares de quilómetros de casa e de olhar perdido na beleza da imensidão ímpar e quase irreal que a cercava, todos os seus pensamentos se resumiram num único desejo; poder partilhar a simplicidade daquele momento com o homem com quem desejava igualmente partilhar a sua vida e a vida que crescia em segredo dentro dela. Que estaria ele a fazer naquele instante? Pensaria nela da mesma forma que ela ainda pensava nele? Seria a sua saudade tão grande e atroz, quanto a distância que os separava e a dor que lhe lacerava o peito? Recordou a doçura do seu olhar e a ternura do seu sorriso e desejou naquele momento poder abraça-lo com força e dizer-lhe o quanto ainda o amava. O quanto sempre o amara. O quanto jamais deixaria de o amar.
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Era ainda cedo e o esplendor da aurora saudava o dia com a sua áurea de cores mágicas e cintilantes, cegando a vista e ofuscando a nítida e longínqua linha do horizonte, com a sua elegância e serenidade. Solitário e madrugador, como um pássaro gigante sobrevoando os céus, o privado helicóptero gentilmente cedido por Niccolo Chianti - o milionário a quem ela comprara a casa que fora de seu pai - perturbava a paz de tão belo amanhecer com as suas hélices frenéticas e ruidosas, desvendando um cenário indescritível e quase imaginário à medida que se aproximava do seu destino. De coração palpitante, Elena observou em silêncio a vasta propriedade que agora lhe pertencia. Valia cada cêntimo dos largos milhões que a mesma lhe custara. Era tal e qual como ela a imaginara, nas inúmeras histórias que o seu pai lhe contara sobre aquele lugar. Era igualmente misteriosa e imponente, romântica e intimidadora ao mesmo tempo. Era o cenário vivo de uma paixão proibida, uma paixão banida e julgada por um delito social e hipócrita. Uma cela de portas abertas, que confinara a vida de um homem, que tudo o que queria era ser livre.
De olhar fixo naquelas muralhas, reflectidas no enorme lago como um castelo assombrado, sentiu-se apreensiva em relação à sua decisão, em querer fazer daquele lugar o que provavelmente ele nunca fora. Sentiu que contrariamente ao que pensava, não estava preparada para o enfrentar. Não naquele momento, um momento de grande importância na sua vida, mas igualmente de grande fragilidade emocional. Queria pisar aquele chão e conhecer cada canto daquela casa, mas queria fazê-lo com a coragem e a confiança suficientes para mudar para sempre a história daquele lugar e honrar o amor e a paixão que lhe foram roubados, e foi com alguma dificuldade que mandou o piloto dar meia volta e regressar, mas foi igualmente naquele instante, que soube exactamente para onde queria ir. Se até ali nunca havia escutado o seu coração, tinha chegado a hora de o fazer. De ouvir e obedecer ao seu apelo. De renascer das cinzas daquela imensa saudade que a consumia dia após dia, a mesma saudade que a mantinha viva e lhe alimentava a esperança.
Helga, Junho 2006
9 comentários:
"Se até ali nunca havia escutado o seu coração, tinha chegado a hora de o fazer."
Que lindo texto minha amiga, mágico e digno de continuação, será?
Escutar o coração, é o que faz de certeza, quando escreve assim.
Beijinhos e boa semana.
Fê
Há flores na nossa vida que não podem deixar de ser regadas, sob pena de murcharem irreversivelmente.
Bjs
Ai estes contos são a minha perdição... beijoca
O QUE IMPORTA FOI TER RENASCIDO...
GOSTEI MUITO...Ó TALENTOSA
É como ter recaidas..
Bjs
Insana
Passei aqui só para deixar um beijinho.
Fê
Chega um dia em que o amor vence tudo o resto. Elena tomou a decisão certa.
E tu minha linda, és fantástica nestas tuas histórias inacabadas!
Um grande beijinho.
Maravilhoso, tem todos os ingredientes para fazer sonhar o leitor. Muito bom Helga. Beijinho grande
Adorei o teu conto,ainda nao conhecia o teu blog mas ja te estou a seguir .
Parabéns beijinho
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