Sozinha e pontual como sempre fazia questão de ser, sentou-se junto ao balcão e despiu o casaco, que ajeitou delicadamente sobre o informal vestido, antes de pedir o seu Dry Martini com limão. De olhar sereno, saboreou-o calmamente, enquanto observava o ambiente em volta e se interrogava mais uma vez sobre o motivo daquele peculiar encontro. Se bem conhecia Steven, ele era um homem prático e funcional e um simples telefonema teria sido o bastante, para lhe dar a conhecer o teor daquela reunião.
- Desculpe... Miss Patterson? - Interrompeu um dos empregados com delicadeza.
- Sim?
- Tenho instruções para lhe entregar isto. - Informou, passando-lhe discretamente para a mão um cartão do hotel, com uma mensagem escrita.
- Obrigada. - Agradeceu um pouco hesitante, olhando subtilmente em volta, antes de ler com curiosidade as palavras escritas no pequeno pedaço de cartão. Tentando não se mostrar muito interessada no que provavelmente não passava de uma velha e gasta tentativa de engate em sítios como aquele, chamou o empregado que lho entregara - Desculpe, mas pode dizer-me quem lhe entregou isto?
- Procure junto ao piano. - Confessou, admitindo a sua óbvia cumplicidade com um suave e discreto sorriso, retomando o seu serviço.
Com alguma reserva, ela atreveu-se a percorrer com o olhar o canto mais recatado da sala, sentindo imediatamente um súbito e aprazível calafrio percorrer-lhe todo o corpo, quando encontrou o olhar intenso e envolvente que a contemplava. Mantendo o seu sereno e inabalável charme, ele ofereceu-lhe o esboçar de um sorriso irresistível e sedutor e por momentos permaneceram silenciosos e quietos, separados ela curta distância que lhes prendia o olhar sugestivo e penetrante.
- Adorei a gravata. - Confessou insinuante, quando ele se aproximou dela, saboreando calmamente o seu whisky - Alguma ocasião especial?
Discretamente ele segredou-lhe ao ouvido, usando de alguma traquinice - Nem por isso. Apenas adoro a maneira como me despes, quando me visto assim.
- E como esperas que isso aconteça? - Desafiou, sensual e travessa - Com piropos como 'uma mulher bonita não deve beber sozinha'? - Provocou intencionalmente, referindo-se às palavras escritas no pequeno cartão - Um pouco antiquado, não achas?
- Consegui a tua atenção, não consegui?
- Sem dúvida, mas não fiques tão convencido. Estou aqui em trabalho. - Informou esperando desapontar o seu sorriso triunfante, porem tentador.
- Eu sei. - Respondeu inabalável, surpreendendo-a.
- Sabes?
- Estás aqui para te encontrares com o Steven Dorff.
- E como sabes isso?
- Ficarias surpreendida com as coisas que eu sei. - Admitiu confiante, levando o copo à boca.
- Estou a ver. Deixa-me adivinhar... ele não vem, certo?
- Desapontada?
- Um pouco. - Mentiu, não resistindo em apimentar ligeiramente o seu olhar insinuante, brincando suavemente com a bebida dentro do copo - Teria vestido algo mais confortável, se soubesse que eras tu.
- Estás linda! - Elogiou, incomodando-a com a intensa sinceridade do seu olhar - Queria apenas ver-te outra vez.
- Podias ter telefonado.
- Terias vindo?
- Estou aqui agora.
Por momentos olharam-se apenas, revelando através do silêncio das palavras que não diziam, uma devastadora vontade de ceder ali mesmo à luxúria e à paixão que os incendiava, e instantes depois, abalroavam com os seus corpos eufóricos e ávidos de prazer, a porta do quarto intencionalmente reservado para uma noite de sedução, arrancando a roupa com impaciência, derrubando objectos ao acaso com as suas carícias ardentes e os seus beijos obscenos. Como se o mundo fosse um lugar sem importância, mergulharam no seu próprio universo de erotismo e sensualidade, saciando aquele intenso e fogoso desejo carnal, com a voracidade de quem sacia um vício selvagem e insaciável.
Ginger não sabia há quanto tempo fixava o tecto lívido e suavizado pela penumbra da noite, deitada sobre a enorme cama daquele quarto tão impessoal quanto acolhedor. Sabia que tinha que ir, mas simplesmente não tinha vontade de o fazer. Olhou Julian, que a seu lado dormia serena e tranquilamente, embalado pela chuva que salpicava as vidraças lá fora. Observou-o por largos momentos, adorando-o em silêncio, como quem contempla uma obra de arte. Um quadro raro e único que se deseja adorar para sempre. Uma tela pura e envolvente, onde ela mesma desejava pintar todos os seus sonhos e fantasias. Ás vezes sentia que o prazer físico que sustentava aquela ambígua e estranha relação, já não lhe bastava. Ás vezes queria mais, muito mais que os meros jogos de sedução e os encontros ocasionais, de uma paixão obsessiva e sem compromisso.
- Acho que te amo, Julian Lewis... - Confessou num suave murmúrio, esboçando um sorriso terno e cúmplice do seu olhar secreto, como o sentimento que carregava com ela. Devagar, para não o acordar, afastou os lençóis e com cuidado saiu da cama. Apanhou a roupa espalhada pelo chão e olhou-o uma vez mais com ternura e saudade, antes de sair do quarto, deixando-o a meio da noite como sempre o deixava, esperançada que um dia ele lhe pedisse para ficar.
A chuva já não caía e a claridade de mais um dia gélido de Inverno, acariciava-lhe suavemente o corpo relaxado e adormecido, confortavelmente aninhado entre os lençóis e protegido pelo aconchego da temperatura amena do quarto. Um calor suave, que se fundia com o seu subconsciente distante, que o envolvia em cenários paradisíacos e imaginários. Pronunciou algumas palavras sem sentido e remexeu-se na enorme cama, recusando-se a deixar as suas fantasias e sorriu de forma inconsciente, esticando o braço e procurando o calor do corpo que o aquecia nos seus sonhos, mas tudo o que encontrou foi um lugar vazio e frio, que lhe arrefeceu o espírito e o fez abrir os olhos.
Resignado, suspirou entristecido, acariciando suavemente o lugar agora desocupado, cedendo à frustração e ao vazio que sempre o invadia, de cada vez que acordava sozinho depois de partilhar apenas uma parte da noite com ela, onde a solidão deixada pela sua ausência, era quase tão grande quanto o prazer único e infinito que desfrutava na sua companhia.
- Acho que te amo, Ginger Patterson... - Confessou para o vazio da cama, com a voz embargada pela saudade e pela desilusão, esperançado que um dia ela ficasse.
Helga, Novembro 2008
No âmbito do desafio de Maio para a Fábrica de Letras sobre o tema 'Paixão'
18 comentários:
Envolvente. Apaixonante. Inspirador. Lindo Helga!
Parabéns!
Beijinhos**
Isto parece retirado de um livro e não fosse a repetição de acetinados ali para o fim e diria que estava um texto perfeito... assim está só excelente. Muito boa participação.
Muito envolvente, Helga...
Como se não bastasse a apaixonante narrativa, você ainda nos presenteou com a presença imprescindíval da "ironia"; para mim, a grande marca de um escritor.
Sobre o texto, apenas lamentar por eles... tão temerosos!
Ah, essses apaixonados que não percorrem o caminho todo, que não queimam o momento todo, até que vire cinzas...
ah, o medo de ir adiante...
Coincidentemente, meu texto para "paixão" traz algo parecido ao que você trabalhou aqui.
Muito bom.
Parabéns!
Beijos.
Ricardo
Estou, desde já, a te seguir.
Beijos.
Ricardo.
Um luxo. Ótimo. Beijos.
johnny, obrigada pelo elogio do 'parece tirado de um livro'. Quanto aos acetinados, já resolvi a questão, passam a ser apenas lençóis.
Obrigada por seres tão crítico e atento. Gosto disso.
Um beijinho :)
Um texto que nos envolve e acaricia. Muito bonito*
Lindo do principio ao fim... adorei... bjs
Acredito na teoria de que uma Paixão pode levar ao caminho do AMOR.
Alguém, tem de tomar o primeiro passo, não é?
Gosto muito das tuas histórias soltas que nos deixam sempre à espera de continuidade.
beijinhos
Tua participação foi maravilhosa.Trataste a paixão com o luxo e maestria!beijos,chica
Helga: Tirei-a na viagem! Achei que era altra de mostrar um pouco mais a Poetic Girl... beijocas querida
Muito bom Helga. Gostei do enquadramento em New York.
Parabéns.
MARAVILHOSO!!!!! Simplesmente, amei o seu conto.
Envolvente, sedutor, curioso e muito bem escrito. PARABÉNS!!!
DETALHE: Fiquei de quatro pelos seus "lho entregara" e "abalroavam".
PARA QUEM SENTE TESÃO PELAS LETRAS E PALAVRAS COMO EU,CONFESSO QUE SUCUMBI.
BJS!!!!!
MUITO INSPIRADO,MISTERIOSO, LASCIVO,REQUINTADO...HUMMMM....
ELA ESPERA QUE ELE LHE PEÇA PARA FICAR E ELE ESPERA O MESMO...PODE SER UM JOGO PERIGOSO...
SE A DEMORA FOR LONGA E NENHUM DOS DOIS TIVER CORAGEM SUFICIENTE PARA CONFESSAR O SEU DESEJO... A PAIXÃO PODE ARREFECER E ENTRAR EM CENA OUTRA PERSONAGEM...
ÀS VEZES ACONTECE...ALGUÉM MAIS CORAJOSO E ESPERTO...
GOSTEI MUITO DE TE LER...VALEU!!!
BEIJINHOS E BOM DOMINGO
Perfeita e Doce Amiga:
Um texto envolvente. Saído da sua criatividade fabulosa e admirável.
Uma sedução gigante.
Possui uma escrita fluída e brilhante.
Parabéns. Adorei a forma como escreve com talento e génio.
Bem-Haja, pela sensibilidade preciosa que possui.
Beijinhos amigos de respeito e encanto pelo que é e efectua com doçura gigante.
Maravilhado por tanto sentir terno.
pena
Excelente!
Dava o início de um livro de sucesso garantido.
Helga:
Pode acreditar, porque sou sempre sincera no que escrevo, este é o mais belo texto de amor,paixão, que aqui tenho lido.
Arrebatador, envolvente, só uma pessoa muito especial escreve com tanta intensidade.
"Como se o mundo fosse um lugar sem importância, mergulharam no seu próprio universo de erotismo e sensualidade, saciando aquele intenso e fogoso desejo carnal, com a voracidade de quem sacia um vício selvagem e insaciável."
Que mais posso acrescentar a isto?!
Beijinhos e parabéns!
Fê
Denso . Perfeito. Como muitos outros que li aqui.
Beijos.
Já nem me lembrava o quanto este texto é intenso. Fiquei deliciada com a nostalgia que senti e frustrada por não saber até quanto eles irão ocultar os seus verdadeiros sentimentos.
Beijinhos, Ava.
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